Tomaz Antônio Gonzaga
Marília
de Dirceu
Lira
II
Pintam,
Marília, os Poetas
A
um menino vendado,
Com
uma aljava de setas,
Arco
empunhado na mão;
Ligeiras
asas nos ombros,
O
tenro corpo despido,
E
de Amor, ou de Cupido
São
os nomes, que lhe dão.
Porém
eu, Marília, nego,
Que
assim seja Amor; pois ele
Nem
é moço, nem é cego,
Nem
setas, nem asas tem.
Ora
pois, eu vou formar-lhe
Um
retrato mais perfeito,
Que
ele já feriu meu peito;
Por
isso o conheço bem.
Os
seus compridos cabelos,
Que
sobre as costas ondeiam,
São
que os de Apolo mais belos;
Mas
de loura cor não são.
Têm
a cor da negra noite;
E
com o branco do rosto
Fazem,
Marília, um composto
Da
mais formosa união.
Tem
redonda, e lisa testa,
Arqueadas
sobrancelhas;
A
voz meiga, a vista honesta,
E
seus olhos são uns sóis.
Aqui
vence Amor ao Céu,
Que
no dia luminoso
O
Céu tem um Sol formoso,
E
o travesso Amor tem dois.
Na
sua face mimosa,
Marília,
estão misturadas
Purpúreas
folhas de rosa,
Brancas
folhas de jasmim.
Dos
rubins mais preciosos
Os
seus beiços são formados;
Os
seus dentes delicados
São
pedaços de marfim.
Mal
vi seu rosto perfeito
Dei
logo um suspiro, e ele
Conheceu
haver-me feito
Estrago
no coração.
Punha
em mim os olhos, quando
Entendia
eu não olhava:
Vendo
o que via, baixava
A
modesta vista ao chão.
Chamei-lhe
um dia formoso:
Ele,
ouvindo os seus louvores,
Com
um gesto desdenhoso
Se
sorriu, e não falou.
Pintei-lhe
outra vez o estado,
Em
que estava esta alma posta;
Não
me deu também resposta,
Constrangeu-se,
e suspirou.
Conheço
os sinais, e logo
Animado
de esperança,
Busco
dar um desafogo
Ao
cansado coração.
Pego
em teus dedos nevados,
E
querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se
todo de pejo,
E
fugiu-me com a mão.
Tu,
Marília, agora vendo
De
Amor o lindo retrato,
Contigo
estarás dizendo,
Que
é este o retrato teu.
Sim,
Marília, a cópia é tua,
Que
Cupido é Deus suposto:
Se
há Cupido, é só teu rosto,
Que
ele foi quem me venceu.