Castro Alves

 

Hebréia

 

                           Flos campi et lilium convallium.
                                     Cant. dos Canticos
 
        Pomba d'esp'rança sobre um mar d'escolhos!
        Lírio do vale oriental, brilhante!
        Estrela vésper do pastor errante!
        Ramo de murta a rescender cheirosa! ...
        Tu és, ó filha de Israel formosa...
        Tu és, ó linda, sedutora Hebréia...
        Pálida rosa da infeliz Judéia
        Sem ter o orvalho, que do céu deriva!
        Por que descoras, quando a tarde esquiva
        Mira-se triste sobre o azul das vagas?
        Serão saudades das infindas plagas,
        Onde a oliveira no Jordão se inclina?
        Sonhas acaso, quando o sol declina,
        A terra santa do Oriente imenso?
        E as caravanas no deserto extenso?
        E os pegureiros da palmeira à sombra?!
        Sim, fora belo na relvosa alfombra,
        Junto da fonte, onde Raquel gemera,
        Viver contigo qual Jacó vivera
        Guiando escravo teu feliz rebanho ...
         Depois nas águas de cheiroso banho
        - Como Susana a estremecer de frio - 
        Fitar-te, ó flor do babilônio rio,
        Fitar-te a medo no salgueiro oculto ...
         Vem pois!...  Contigo no deserto inculto,
        Fugindo às iras de Saul embora,
        Davi eu fora, - se Micol tu foras,
        Vibrando na harpa do profeta o canto ...
        Não vês?... Do seio me goteja o pranto
        Qual da torrente do Cédron deserto!...
        Como lutara o patriarca incerto
        Lutei, meu anjo, mas caí vencido.
         Eu sou o lótus para o chão pendido.
        Vem ser o orvalho oriental, brilhante!...
        Ai! guia o passo ao viajor perdido,
        Estrela vésper do pastor errante!...
         Bahia - 1866