Carlos Drummond de Andrade

O Arco

Que quer o anjo? chamá-la
Que quer a alma? perder-se
Perder-se em rudes guianas
para jamais encontrar-se.

Que quer a voz? encantá-lo
Que quer o ouvido? embeber-se
de gritos blasfematórios
até quedar aturdido.

Que quer a nuvem? raptá-lo
Que quer o corpo? solver-se,
delir memória de vida
e quanto seja memória.

Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo
para na treva fundir-se.
Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao prêmio de uma canção.
 

Eu quisera ver o mundo

como o vê Sérgio Bernardo:

ver, no mundo, os muitos signos,

que vigiam sob as coisas.

 

Sentir, sob a forma, as formas,

os segredos da matéria

mais a textura dos sonhos

de que se forma o real.

 

Ver a vida em plenitude

e em seu mistério mais alto;

decifrar a linha, a sombra,

a mensagem não ouvida

 

mas que palpita na Terra.

Eu quisera ter os olhos

que assim penetram o arcano

e o tornam (poder da imagem) 

um conhecimento humano.