Velhas fotografias
Luiz de Paula,
homem ilustrado e prático, lido, corrido e curtido na vida, disse-me,
há poucos dias, com um tanto de malícia no sorriso, que a única
arte que não progrediu no mundo moderno foi a da fotografia. Pelo menos,
no que toca a ele, não tem visto nada de melhoria, principalmente nos
retratos, os quais, a bem da verdade, até têm piorado muito. Por
exemplo, quando ainda estava nos dezoito, nos vinte e cinco, nos trinta anos,
os retratos que ele tirou com Serafim Facella, eram bem mais bonitos, com a
pele mais lisa, os olhos mais brilhantes, os cabelos fartos, soltos e retintos
de boa cor. A musculatura era de encantar, tudo no lugarzinho, tudo bem proporcionado,
rugas nenhumas. Hoje, ele tem até medo de posar, porque mesmo os melhores
fotógrafos, com as melhores máquinas, digitais ou de filmes supercoloridos,
nada conseguem, nem mesmo uma vaga lembrança das antigas fotos cheias
de charme e juventude. Uma lástima, uma involução terrível
da fotografia!
É isso aí, nem tudo progrediu neste mundo, vasto mundo de artistas
e mortais. Acredito que a queixa de Luiz de Paula quanto aos fotógrafos
deve ser a de todos nós que, mercê de Deus, passamos dos cinqüenta
ou dos sessenta, salvação talvez de raras exceções,
que não ouso dizer os nomes, para não ficar denunciando idade
de ninguém, principalmente das madames minhas amigas. Mas que a fotografia
não progrediu com relação a este aspecto das feições
humanas, isso realmente é verdade. Os leitores mais antigos, depois desta
leitura, façam um exame nos álbuns de família, uma comparação
no porte, o meio-de-campo sem barrigas, a retidão na coluna, o nariz
afilado? Onde estão, na madame, o busto bem levantado e em posição
de três horas, o pescoço escultural, os cabelos sedosos e cheios,
a boca sensual, cada curvinha em seu lugar? Oh! Como tudo mudou! Como os fotógrafos
perderam a técnica tão simples de iluminar a velha juventude!
De fato, só a fotografia é capaz de paralisar o tempo, de capturar
momentos de luz, de segurar uma jovial feição enquanto esta ainda
existe. Nada mais na vida é capaz de parar o tique-taque dos segundos
ou da eternidade, solidificar minutos de uma existência, movimentos incessantes
como as das chuvas e dos rios. A fotografia é um plasmar de realidade.
É o que é: objetiva, concreta, verdadeira. O fotógrafo,
o artista, o criador nada pode mudar, porque entre ele e o figurante existe
a máquina, sempre fria, indiferente, veraz, permitindo quando muito só
alguns retoques de negativo, hoje cada vez mais raros. O fotógrafo não
pode ser como o pintor, que pode escolher a tinta e a cor da tinta, que trabalha
mais com a imaginação do que com a realidade, um dos poucos profissionais
ainda com direito a ser romântico num mundo de desilusões como
o nosso. O fotógrafo, por mais criativo que seja, sempre encontrará
limites à sua ação.
Mas é exatamente porque a fotografia é a prisão do tempo,
que ela se torna importante, atual para cada etapa, ao mesmo caso documento
e denúncia, repositório de bons motivos de muitas lembranças,
quantas vezes moldura de infinitas saudades. Com que grata recordação
olhamos nossos traços dos anos de infância, dos dias de adolescência,
da escola, da formatura, do casamento, da lua-de-mel. Como são lindas
as paisagens das nossas inexperiências, dos sonhos inacabados, das gostosas
torturas da paixão jovem! Como é importante o brilho de uma recordação!
Tudo tão grato aos olhos do corpo e da alma!
Tem muita razão o meu amigo Luiz de Paula. Ele está certíssimo
na birra e na zanga para com os que tiram retratos. Bem que os fotógrafos
poderiam descobrir nova fonte de juventude. Mesmo que esta não espalhasse
nem um pouquinho a mínima verdade!