Professor Zeca
Acho que esta crônica
deveria estar sendo escrita por Haroldo Lívio. Ele a faria bem melhor,
com mais sabor telúrico, uma vez que ele sente muito mais de perto a
força da terra de Grão Mogol, o cheiro do amor metafísico
que perpassa pelas ruas tortas e pela velha praça nominalizada pela placa
mais bonita que já vi, a placa da Praça Prof. Ezequiel Pereira,
bem o no centro da velha cidade. O Professor Zeca é de Grão Mogol,
de lá mesmo, município cheio de pedras escuras de verde-musgo
e maduras de amarelo-dourado, lugar de águas tão claras como o
cristal mais claro, árvores de um verde tão intenso que faz doer-nos
a vista. Nascido lá, ali tomando contato com a natureza e com o mundo,
lendo e escrevendo as primeiras letras, construiu, construiu, de menino, um
feliz alicerce de vida feliz.
Não sei quantos anos tive de convivência com o Professor Zeca nem
posso precisar bem a época dos nossos primeiros encontros, de quando
eu comecei a beber na fonte inesgotável de sua sabedoria, do manancial
de erudição tão maravilhoso que ele sabia muito bem guardar
envolto numa sincera e natural simplicidade. Foi o Professor Zeca um dos homens
mais cultos e mais humildes que pude conhecer até hoje, cultura que a
gente tinha de minerar aos poucos através de perguntas, de colocação
de assuntos que pudessem provocar sua obrigação de ensinar, de
esclarecer. Sabendo muito, por demais preciso nos seus conceitos de ciência,
de filosofia, de religião, de lingüística, parece que tinha
medo, ou mesmo por excesso de amor evitava ofuscar os que sabiam menos ou quase
nada.
O Professor Zeca era impecável na limpeza. Limpeza física e de
coração, limpeza de idéias, de vocabulário, uma
limpeza alegre, descontraída, despojada de qualquer tipo de pompa ou
de orgulho. Sua presença colocava as pessoas tão à vontade
como se elas estivessem numa respeitosa festa de família. Era um homem
de bem, tudo indica, sem qualquer defeito visível ou invisível.
Os que conviveram mais tempo com ele – o Olímpio Abreu o Ney David,
a D. Deuslira Filpi, a D. Lisbela, D. Lia Rameta, João Afonso -, todos
dizem nunca terem notado nele qualquer faceta negativa. Espírita desde
os 13 anos, juntamente com seu famoso irmão Cícero Pereira, Professor
Zeca foi estudioso da doutrina até os 84, paciente nas anotações,
firme e sem desfalecimento até o fim. Um erudito, obediente à
codificação, firme no escrever e no proferir palestras, mestre
admirado de muitas gerações.
Terminamos, hoje, a semana de comemorações do centenário
de nascimento do Professor Zeca. Foram dias de repasse de feitos grandiosos
de um homem que jamais sonhou com grandezas. Professor, coletor do Estado, chefe
político, guarda-livros na antiga fábrica do Cedro, foi sempre
metódico e seguro nas suas decisões. Foi um dos fundadores do
Centro Espírita Canacy, no início do século, companheiro
também de Aristeu de Melo Franco e de Sebastião Sobreira. O Professor
Zeca não estudava só em português e não podia assim
faze-lo numa época em que muitos livros importantes não haviam
sido traduzidos para nossa língua. Lia diligentemente em francês,
inglês, italiano, espanhol, esperanto. Eram excelentes seus conhecimentos
de grego e de latim. Um intelectual exemplar.
O Professor Zeca, Ezequiel Pereira, foi sempre um homem de bem!