A alegria de Monsenhor
Não me canso
de ter saudades do tempo bom e gostoso das aulas do Colégio Diocesano,
de quando podíamos, todos os dias, sentir e ouvir a alegria do Monsenhor
Osmar, a braveza do Padre Agostinho e a terna amizade do Monsenhor Gustavo.
É de fato um momento inesquecível, de quando cada gesto era uma
lição, cada atitude uma experiência de seres em luta e em
paz com a vida. Os três juntos, ou cada um em particular, eram para nós,
meninos-rapazes, o grau mais alto da sabedoria, a fonte inesgotável de
conhecimento, os degraus por onde alcançar a segurança do futuro.
É claro que, particularmente, um por um tinha o seu séqüito
de seguidores, dependendo da esperteza ou do grau de inteligência de cada
aluno, ou mesmo da maturidade ou falta de juízo, como podíamos
encontrar nos mais sérios como Geraldo Miranda e Nivaldo Neves, ou nos
mais afoitos como Pai da Mata e João Doido. Em órbita havia gente
de todo jeito, tipo Tereziano Dupin, Renato Pobre, Renato Almeida, Dezinho Dias,
Ivan Guedes, Lazinho Pimenta, Raimundo Santana, José Maravilha, personalidades
marcantes que iam do folclore à poesia, do trabalho sério à
justa compenetração.
Cada dia era um novo esquema de novidades, de surpresas, uma sensação
de estarmos construindo o mundo, preparando-o para a nossa geração
e para todas as outras que poderiam vir depois de nós. Ninguém
fugia da luta, tirar o corpo de banda, em qualquer tarefa, era um sacrilégio.
Matar aulas era pecado capital. Durante a semana não valia nem cinema
nem namoro. A ordem era estudar! Uma única transgressão era permitida
e só ao Miranda, porque ele havia inovado o sistema, inventado uma saída,
namorando com a professora Lourdes, inteligentão que era. O Dezinho Dias,
já mais velho um pouco, falava de fazendas, de vez em quando. O Raimundo
Santana era um importante, pois tinha bicicleta e tomava uísque antes
das provas de matemática. Ivan impunha grande respeito: de vem em quando
jantava em restaurante, sábado à noite depois do grêmio.
A maioria, como eu, não tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-queixo,
e quando muito, bebíamos caldo de cana. Cafezinho era luxo!
Professor bom mesmo era o Pedro Santana, vibrante, granfino, dominante nas cadeiras
de História, Ciências e Inglês, um terror par quem não
tivesse as matérias na ponta da língua, a capacidade de responder,
falando ou escrevendo, sem gírias. Pedro era tão imponente, que
não repetia ternos e gravatas durante um mês, cada dia uma nova
cor, hoje um três-botões, amanhã um jaquetão, tudo
dentro do melhor figurino de Vavá ou Wilson Drumond. O cabelo, ah! O
cabelo era que merecia o maior cuidado! A barba, de um barbear diário
na barbearia de Antônio Guedes, com massagem facial, na mesma hora em
que também estavam sentados os granfinos Júlio de Melo Franco
e Nelson Vianna, fregueses de manhã cedinho. Errar com Pedro ou com o
Padre Agostinho – outro elegante – era imperdoável. A nota
menor que um bom aluno podia tirar era dez. O nove era um feito vergonhoso!
Havia outros professores famosos e entre eles o Tabajara, a Terezinha Pimenta,
Doutor Carlyle, A Maria Inês, D. Rosita Aquino e o Belizário, que
falava latim e tinha o cabelo parecido com o de Castro Alves. Em certas ocasiões,
o Bispo D. Antônio chegava a assistir a algumas aulas, sentado conosco,
perguntando e participando, como se não soubesse de tudo! Foi a maior
inteligência que conheci, uma cultura universal, um poder oratório
que Montes Claros nunca teve igual, nem com o Simeão Ribeiro... Era um
admirável mundo novo, principalmente para mim, que sem ternos e sem paletós
– o primeiro foi o Vadiolando Moreira que me deu - achava tudo aquilo
um sonho em realização. Maravilhosamente encantado, sedento de
aprender, nunca cedendo o primeiro lugar a ninguém, uma coisa marcou-me
profundamente a diretiva na vida e me tem servido constantemente de bom exemplo:
a alegria de viver de Monsenhor Osmar Novais de Lima, nosso diretor!