Letra de Médico

Wanderlino Arruda

Interessante, importante, no mínimo curiosa a campanha desencadeada por um técnico de patologia clínica e balconista de farmácia de Belo Horizonte sobre a letra ruim e ilegível dos médicos nos seus receituários.
Divino Antônio dos Santos, de tanto sofrer para decifrar letras desastradas que chegam a confundir nomes de remédios, botou a boca no mundo, e pede providências dos legisladores para que as receitas sejam datilografadas escritas com letras de forma que possam ser lidas por qualquer pessoa, mesmo as de pouco saber.
Chega de tanto sofrimento! Farmacêutico nenhum é de ferro! Séculos e séculos de tradição que letra de médico deve ser confusa têm que acabar. Os engenheiros não escrevem claro? Os contadores não escrevem bonito? Os poetas não escrevem com encantamento? As donas de casa não fazem receitas que até cozinheiras de pouca leitura podem entender sem qualquer margem de erro?

Divido Antônio dos Santos realmente deseja acabar com a chamada letra de médico. E faz até mais: está alertando a população, com entrevistas aos jornais, dos muitos perigos que os doentes correm com as receitas ilegíveis ou endereçados aos melhores Champolions do balcão, os quais, acertando e errando, acabam se diplomando em aprendizes de hieróglifos vernáculos. Segundo ele, letra confusa em receituários é pior que bala de canhão para prejudicar saúde de pacientes.
Uma pequena troca de letra pode desviar completamente o curso de um remédio errado, pode causar até a morte, às vezes pior que um ferimento de guerra. Pior? Segundo o reclamante, muito pior.

E como podem ser os erros de leitura nas prescrições médicas? Simples, simples. Por exemplo: Atenol (para hipertensão arterial) pode ser confundido com Otenol (para dor de ouvido); os antibióticos Benzoral e Benzotal; o antibiótico Cefalen e o analgésico Cefalex; os antibióticos de composição diferente Orocilin, Ortocilin e Ortocilina; o antiotálgico Panotil e o remédio para acne Panoxil; o Gastropan (para aerofagia) e o Gastrozan (para dispepsia fermentativa), o descongestionante nasal Pertiran e Platiran (para tratamento de câncer metástico; e até o simples Melhoral, que pode ser trocado pelo tranqüilizante Melleril. Qualquer coisa assim parecida com “Seu Germano” por gênero humano.

“O pior”, diz Divino, “é que a maioria dos balconistas não tem conhecimento dos remédios”. Se conhece, em caso de dúvida, ele pode perguntar ao freguês o problema do doente e saber qual é o remédio aceitado. Caso contrário, pode até complicar tudo, agravando situações. Na melhor das hipóteses, o comprador sofrerá um prejuízo financeiro.
Existem infinidades de laboratórios e medicamentos, algumas fórmulas até com cinqüenta marcas diferentes, preços nunca iguais, uns caros, outros caríssimos. Só a tetraciclina tem mais de quarenta nomes, assim como o complexo vitamínico “B”. A dipirona é fabricada por 27 indústrias, amplicilina por 36, o clorofenicol por 31. a diversidade de preços chega a mil por cento. Já pensou se uma gorduchinha tomar um remédio para engordar mais?
Um varapau que tomar um remédio para crescimento? Um magricela que ingerir cápsulas para perder peso?
O mundo está virado!