Meu amigo Sebastião Ducho
Poderia demorar
o tempo que demorasse, mas a primeira crônica, depois de longo período
de ausência, teria de ser sobre o meu amigo Ducho, pai de Glacira e Tháis,
de Lúcia e Fátima de Tarcísio e Expedito, de Tiãozinho
e Raimundo, pai de Miguel e marido de Dona Geralda, claro que esta crônica
era para ser escrita por ocasião das homenagens que lhe foram prestadas
por alunos e professores do Conservatório Lorenzo Fernandez. Deveria
fazer parte do momento vivo de amor e admiração, na festa cantada
em prosa e verso numa noite de maior alegria do amigo Sebastião Ducho,
mestre da arte de ser feliz Passado o momento, não passou a ocasião.
Eis-me aqui falando dele.
Realmente, para falar de Ducho não precisa de pressa. Ele é o
homem da calma constante, da boa disposição íntima, da
alegria bem comportada, do sorriso sério, um desfilar de completa felicidade.
Homem lúcido, realista, racional e equilibradamente místico, é
o filósofo elegante e de bom trato, sempre portador de uma palavra amiga,
sem qualquer sina de ostentação. Ducho é um homem, sobretudo,
interessante, sóbrio e limpo, parece estar sempre saindo do banho; amigo
de todos, é eqüidistante, não se apega nem se afasta de ninguém;
um quase silencioso e respeitado companheiro, pois fala comedido como um velho
marinheiro, voz suave de um vitorioso embaixador. Não creio que Ducho
guarde no coração qualquer traço de ressentimento; pois
seu olhar é de completa paz, um misto de Sócrates e de Gandhi,
parece conhecedor dos mistérios de Eleusis, um tipo de viajante feliz
do Nirvana, com passagem pela Terra.
Falando com Ducho, certa vez, sobre religião, perscrutando profundamente
seu pensamento, perguntei-lhe sobre seu conhecimento espírita e até
aonde ia sua convicção nos postulados da codificação
de Kardec, tal sua harmonia de idéias, um tanto de Buda e muito Krishnamurti,
Ele sorriu com o mais amistoso dos sorrisos e, sem qualquer atitude crítica,
disse-me que era um fiel respeitador de todas as opiniões religiosas,
mas que, por questão até de inteligência, procurava situar-se
sempre acima delas, jamais as tocando diretamente. Para se viver bem com todas;
respeita-as, aproveitar de cada uma o melhor, é preciso sobre pairar
do alto, não se envolver não tomar partido, ler de tudo, e retirar
a essência como aconselhou o sábio Paulo de Tarso. Aí está
o segredo obtido das suas observações e de muita leitura que sempre
fé, porque muitos são os caminhos que levam a Deus.
Para Ducho, o purgatório, que o homem tem construído, poderia
transformar-se em céu, se o estado geral das consciências fosse
melhor, se houvesse menos ambição, menos pressa, esse eterno jogo
em busca do poder e da riqueza. Cada criatura deveria legislar o próprio
bem com a busca do equilíbrio, da tolerância, confiando na sabedoria
divina, cuidando de não se ferir e não ofender os companheiros
de romagem da vida. A felicidade pode ser encontrada, e ele sempre a encontrou.
Afinal se não fosse assim, como estaria diante dos seus milhares de amigos?...
Bem mais de oitenta anos, saúde perfeita, prática diária
de longa, Sebastião Mendes, o nosso Ducho, comercialmente e artista,
intelectual e exemplo de companheirismo, é o melhor exemplo de companheirismo,
é o melhor exemplo vivo da soberania e da sóbria distinção
do sertanejo dos Montes Claros. Um maravilhoso exemplo!